O inimigo invisível
- Bela Medeiros
- 4 de abr. de 2020
- 3 min de leitura

Nesses últimos tempos, creio que a maioria se sentiu ameaçado por um terrível inimigo em comum. Eu inclusive, mas comecei a analisar a situação com algumas conotações.
Vivemos em um estado de temor semelhante ao da guerra, tirando o fato de não conseguirmos dar rosto à ameaça. Em guerras e outras crises, vemos bombas, aviões, tiros nas ruas, casas trancadas a grossos cadeados, sons, visões e cheiros típicos de um cenário catastrófico. Mas dessa vez é diferente. Dessa vez o inimigo vem sorrateiro, silencioso e invisível e quando se menos espera, BUM! Mais uma vítima. Aliás várias vítimas. Simultâneas. E no atual momento, sem a menor distinção de classe, raça, gênero ou preferência política. Absolutamente nada a que possamos nos agarrar para nos sentirmos um pouquinho mais seguros.
Você até pode pensar que há muito barulho sim, já que nos noticiários, redes sociais e até mesmo em conversas casuais o único tema que se fala é a iminente implosão da vida como hoje conhecemos, dos perigos que se encontram rua afora.
Mas experimente desligar a televisão e deixar o celular de lado para uma caminhada pelo quarteirão. As ruas e a disposição da cidade seguem imperturbáveis. Não se vêem aviões do exército cortando os céus ou construções em ruínas. Entretanto é completamente presente um temor de que algo ali não vai indo bem como fora um dia.
É claro que se notam menos pessoas nas ruas. Algumas até transitam protegidas, a evitar contato, como se para elas a ameaça fosse um pouco mais visível (logo mais preocupante) do que para o restante que anda sossegado.
Temos medo porque não há nada que possamos fazer. Tomar mais água, não fumar, fazer exercícios regularmente, defender um governo... Nenhum de nossos antecedentes condicionantes pode nos oferecer a certeza de que estamos, de fato, imunes.
Chego ao fim de minha análise, atônita e sem certeza alguma. Pois, como você leitor deve ter imaginado - devido as notáveis circunstâncias pandêmicas que vivemos - o texto era sobre o tal do novo vírus. Mas, ao escrever, percebi o quão atual e incondicional é o medo descrito. Seria o inimigo a apatia que cada vez mais arranca o encantamento dos corações? Seria a violência - ideológica ou física? Seria um extremismo? Um fascismo que aos poucos retoma espaço? Releia e nomeie outro inimigo invisível. Garanto que a vida contemporânea vai sempre te mostrar mais um.
Separo um espaço para aqui deixar um poema que fiz há alguns dias, dessa vez de fato, em relação ao COVID, e que de uma forma ou outra se relaciona bastante com esse texto:
De repente o silêncio reinou nas ruas
Como uma velha canção pendente nos corações aflitos
Subitamente os sonhos pausaram
e a Terra toda combinou em serenar
Havia na maioria, aquela sensação
de algo preso na garganta.
Com a ciência de que não havia mais água nos poços
Havia um temor dos destroços
Os chefes de Estado se escondiam atrás da cortina esperando que fossem embora
As matriarcas adoeciam - de colapso pela demora
E os jovens resignavam-se - não havia hora
Os ponteiros não tinham mais por que girar
O horário dissolveu-se por abandono
A moeda desistiu de sua vaidade
Não havia ninguém especulando a verdade
Até o diamante se prostrou enfadonho
"Têm novas prioridades, suponho"
O eixo do globo foi enfim abdicando de seu papel imposto
E o selvagem foi se esgueirando pelas ruas -
a passos indetectáveis.
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